RESUMO: O Brasil passa por uma experiência salutar: o combate à corrupção, a mesma se espalhou pelo País e atinge praticamente todos os setores da administração pública. É preciso que todos nós entremos nessa árdua tarefa, juntamente com os poderes constituídos que detém as prerrogativas e o dever institucional para tanto. A boa-fé objetiva comparece no ordenamento jurídico como limite à autonomia da vontade, de modo a impor certos parâmetros éticos aos comportamentos das partes. A proibição de comportamento contraditório, apresenta estudo sobre a tutela da confiança. Os tribunais superiores já se posicionaram sobre o tema, acolhendo e adotando a referida proibição.
Portanto, reforça-se a necessidade da coerência nos atos dos atores das relações públicas e das relações privadas. Muita se fala na necessidade do respeito à ética e nunca se buscou tanto a visibilidade desse comportamento.
Palavras- chave: Combate à corrupção, Boa-fé, Relações Públicas, Relações Privadas.
ABSTRACT: Brazil has a salutary experience: the fight against corruption has spread throughout the country and affects practically all sectors of public administration. It is necessary for all of us to enter into this arduous task, together with the constituted powers that hold the prerogatives and the institutional duty to do so. Objective good faith appears in the legal system as a limit to the autonomy of the will, in order to impose certain ethical parameters on the behavior of the parties. The prohibition of contradictory behavior, presents a study on the trusteeship of trust. The superior courts have already taken a stand on the subject, accepting and adopting this prohibition.
Therefore, the need for consistency in the actions of public relations and private relations actors is reinforced. Much is said about the need to respect ethics and the visibility of his behavior has never been sought.
Key words: Fighting corruption, Good faith, Public relations, Private relations.
RESÚMEN: Brasil pasa por una experiencia saludable: el combate a la corrupción, la misma se extendió por el país y alcanza prácticamente a todos los sectores de la administración pública. Es necesario que todos nosotros entremos en esa ardua tarea, junto con los poderes constituidos que tiene las prerrogativas y el deber institucional para tanto. La buena fe objetiva comparece en el ordenamiento jurídico como límite a la autonomía de la voluntad, para imponer ciertos parámetros éticos a los comportamientos de las partes. La prohibición de comportamiento contradictorio, presenta un estúdio sobre la tutela de la confianza. Los tribunales superiores ya se posicionaron sobre el tema, acogiendo y adoptando dicha prohibición. Por lo tanto, se refuerza la necesidad de la coherencia en los actos de los actores de las relaciones públicas y de las relaciones privadas. Mucha se habla de la necesidad del respeto a la ética y nunca se buscó tanto la visibilidad de ese comportamiento.
Palabras clave: Combate a la corrupción, Buena fe, Relaciones públicas, Relaciones privadas.
Brasil passa por uma experiência salutar para a vida de seus cidadãos: o combate à corrupção. A cada dia se noticia mais uma operação da Polícia Federal em busca de provas e de estancamento de focos desse mal que tomou conta do País, com reflexos no exterior. Não se diga que é caso concentrado. A corrupção se espalhou pelo País e atinge praticamente todos os setores da administração pública. Portanto, é preciso que todos nós entremos nessa árdua tarefa, juntamente com os poderes constituídos que detém as prerrogativas e o dever institucional para tanto.
O nosso Código Civil de 2002 já trouxe um alerta para essa consciência cidadã, ao positivar os institutos da boa-fé e da probidade nas relações privadas.
Marcelo Dickstein leciona que “Por muito tempo, as funcionalidades da boa-fé no direito obrigacional se viram encobertas pelo dogmatismo clássico atribuído à autonomia da vontade, denotativo de uma determinada concepção de liberdade humana que seria a verdadeira razão de vinculabilidade jurídica e, assim, da vinculação obrigacional….
Hodiernamente, a boa-fé objetiva comparece no ordenamento jurídico como limite à autonomia da vontade, de modo a impor certos parâmetros éticos aos comportamentos das partes. Anderson Schreiber pontua que é importante se valorizar a coerência, como princípio de segurança nas relações, já que a dinamicidade dos atos nos leva a mudanças constantes. Sua obra, A proibição de comportamento contraditório, apresenta estudo sobre a tutela da confiança e venire contra factum proprium, brocardo latino que estabelece que “a ninguém é concedido vir contra o próprio ato”. Os tribunais superiores já se posicionaram sobre o tema, acolhendo e adotando a referida proibição, a exemplo da decisão a seguir colacionada:
Ementa
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PAES. PARCELAMENTO ESPECIAL. DESISTÊNCIA INTEMPESTIVA DA IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA X PAGAMENTO TEMPESTIVO DAS PRESTAÇÕES MENSAIS ESTABELECIDAS POR MAIS DE QUATRO ANOS SEM OPOSIÇÃO DO FISCO. DEFERIMENTO TÁCITO DO PEDIDO DE ADESÃO. EXCLUSÃO DO CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM).
- A exclusão do contribuinte do programa de parcelamento (PAES), em virtude da extemporaneidade do cumprimento do requisito formal da desistência de impugnação administrativa, afigura-se ilegítima na hipótese em que tácito o deferimento da adesão (à luz do artigo 11, § 4º, da Lei 10.522/2002, c/c o artigo 4º, III, da Lei 10.684/2003) e adimplidas as prestações mensais estabelecidas por mais de quatro anos e sem qualquer oposição do Fisco.
- Assim é que o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em
abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire contra factum proprium.
- Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda. (REsp 1143216/RS (2009/0106075-0) – Rel.: Ministro LUIZ FUX (1122) data julg. 24/03/2010 – pub. DJe 09/04/2010)
Portanto, reforça-se a necessidade da coerência nos atos dos atores das relações públicas e das relações privadas. Muita se fala na necessidade do respeito à ética e nunca se buscou tanto a visibilidade desse comportamento.
As palavras do momento são “ética” e “compliance”, ou sejam, ética e comprometimento. A advocacia, como projetada na ordem constitucional e legal, está jungida a esse compromisso.
À frente do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Ceará, desde 2010, tenho testemunhado a reação institucional contra os desvios de conduta no exercício da advocacia, das mais diversas naturezas e repercussões, implicando numa demonstração patente de falta de ética e de compromisso com o múnus público exercido. São retenção abusiva de autos visivelmente na busca de uma prescrição para o cliente, apropriação indébita dos valores recebidos em nome dos clientes, ausência da devida prestação de contas, conluio com o crime, corrupção, entre outros.
Da Ética na Advocacia
A advocacia é um serviço público por que do Estado, porém independente de qualquer vínculo funcional com o aparato federal direto ou indireto.
Proclama a Constituição Federal em seu artigo 133 que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”.
Já a Lei n. 8.906/1994 – EAOAB -, dispõe em seu artigo 2º, caput e §1º que o advogado é indispensável à administração da justiça e no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social.
Em razão de seus encargos institucionais, a advocacia desfruta de prerrogativas e estas geram contrapartida de deveres que diferencia o advogado de qualquer outro profissional. São vedações impostas, tanto no Estatuto como no Código de Ética e Disciplina.
Sempre afirmamos que a advocacia é representada por uma moeda de duas faces: uma contendo as prerrogativas; e a outra, contendo os deveres éticos. Não se pode falar em defesa das prerrogativas, sem um cuidadoso zelo no cumprimento dos deveres.
Em nosso mister frente ao Tribunal de Ética e Disciplina temos presenciado afirmação de colega de que o OAB tem como finalidade a defesa dos advogados e estranham as punições. Ora, a punição pelos desvios de conduta é a fiscalização do exercício da advocacia dentro dos parâmetros éticos estabelecidos e a seleção entre o joio e o trigo. Ao excluirmos o mal profissional, estamos protegendo o bom nome da advocacia e da própria OAB, cumprindo a árdua e desgastante missão de punir colegas, fortalecendo os trabalhos dos profissionais cumpridores de seus deveres.
As normas éticas capituladas no Código de Ética e Disciplina, como diz o seu Relator, advogado Paulo Roberto de Gouvêa Medina, não são prontas e acabadas e exigem que a interpretação aplicada atinja os objetivos colimados. Registra o laureado advogado que
“A advocacia, como profissão liberal, deve subordinar-se a determinadas normas de conduta, que lhe disciplinem o exercício, de forma consentânea com sua finalidade, assegurando a existência da confiança e respeito nas relações estabelecidas entre os profissionais que a exercem e as pessoas com as quais se relacionem. Tais normas de conduta correspondem à ética da advocacia, isto é, o conjunto de princípios e regras de natureza moral que regem a atividade do advogado. Esta não pode dissociar-se de certos padrões
de comportamento que dão dignidade ao trabalho profissional e procuram uniformizar a disciplina da classe a que pertence, tendo em vista o interesse social que o envolve e a responsabilidade atribuída aos advogados perante os seus concidadãos.”
Faço minhas as palavras do ilustre autor.
Poder-se-ia questionar se as normas capituladas no Código de Ética e Disciplina têm a força sancionatória, pois redigidas pelo próprio órgão. O legislador deu-lhes a força necessária ao estabelecer em lei que o advogado se obriga a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina (art. 33, EAOAB). O seu proceder deve observar comportamento que lhe torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
No controle do exercício da advocacia, compete à OAB promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados, além de deter o poder de punir disciplinarmente os inscritos. O julgamento compete, em primeira instância, aos Tribunais de Ética e Disciplina.
No Ceará, o Tribunal recebeu, por delegação, a competência para instaurar, instruir, julgar e arquivar os processos disciplinares, além de executar as decisões transitadas em qualquer grau. No controle da efetividade das decisões no combate aos desvios de conduta, tivemos que adotar a figura da Suspensão Cautelar Incidental, com fundamento no ordenamento jurídico nacional. Isto se fez necessário para se dar o efeito suspensivo nos recursos em casos de extrema necessidade, em virtude da grande repercussão e do alto grau de nocividade dos atos práticos, como os conhecidos casos da Expresso 150, envolvendo a venda de liminares para traficantes em plantões do Judiciário. As decisões, embora inovadoras, receberam a chancela do Conselho Estadual, do Conselho Federal e da própria Justiça Federal, que negou Mandado de Segurança impetrado por representado. (o material se encontra na seção de Jurisprudência da Revista Jus Cultura, nº 01, de novembro/2018, onde este artigo foi inicialmente publicado).
Compliance na Advocacia
Sergio Ferraz, ex-Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, em trabalho publicado no ano 2000, afirmava que
“Revela-se então, não só possível, mas também útil e conveniente elaborar bases materiais (ou substantivas) de um controle ético do exercício profissional. Apenas como tentativa de partida concreta e objetiva a esse intento, adiantamos, sem qualquer pretensão de exaustividade, que, dentre outros valores fundamentais, podem ser reconhecidos como inafastáveis: a honra; a nobreza e a dignidade da profissão e do advogado; a independência, o destemor, a lealdade, o decoro, a boa-fé, a honestidade e a veracidade; o permanente aperfeiçoamento da personalidade e da profissão, o culto superior a ideia e ao ideal da Justiça; o dever do sigilo profissional; a publicidade discreta e moderada; o tratamento polido e escorreito ao público, aos colegas, às autoridades, às partes.
Tudo isto, no Código de Ética e Disciplina se estabelece. As bases materiais do comportamento ético já estão devidamente delineadas. O que precisamos é da cultura ética para seguirmos esses parâmetros. Precisamos de um autocompromisso com a prática da ética profissional. Um comprometimento conosco e com os nossos sócios, parceiros, clientes e auxiliares.
Lembro-me de ter tomado conhecimento, em uma das incontáveis visitas e palestras que fiz junto aos cursos de Direito e às Subseções interioranas, doutrinando sobre a ética na advocacia para se evitar punições em consequentes processos disciplinares, que um colega palestrante, ao iniciar a sua exposição, ter afirmado que se os colegas seguissem minhas orientações, não ganhariam dinheiro. Isso é descompromisso com o cumprimento do dever que jurou obediência.
Diante desse quadro, surge uma ferramenta que poderá auxiliar a OAB nessa conscientização: o Compliance. Trata-se de um assunto relativamente novo no campo de Direito. A Ordem dos Advogados do Brasil já deu início a esse trabalho. Com o apoio da OAB/MG, publicou uma cartilha contendo um guia de Compliance para as organizações brasileiras.
O Compliance é um dos pilares da boa Governança. Está em evidência pelo interesse internacional no combate à Corrupção. Tratam-se de normas de atuação transparente, segura e de conformidade com a lei. O Compliance surgiu para o mundo corporativo, oferecendo condições de controle do comprometimento da empresa através do olhar do consumidor. Nada impede sejam as regras adotadas nas sociedades de advogados, ou mesmo, individualmente, por cada advogado nas relações multifacetárias.
Conforme o referido Guia, não existem parâmetros uniformes ou regras pré-definidas para a implantação de um Programa de Compliance eficiente. Os Programas de Compliance devem ser adequados à estrutura de cada um. O importante é que o Programa de Compliance seja concebido com a intenção que a Organização conheça e interprete seus riscos, de modo a prevenir, investigar e detectar desvios éticos e irregularidades para, então, responder a esses com a máxima eficiência. Não podemos olvidar que o combate à corrupção também passa pelo compromisso dos advogados de cumprirem os deveres éticos inerentes à profissão.
A Lei nº 12.486/2013 – Lei Anticorrupção – e a Lei nº 13.303/2016 – Lei das Estatais, trazem previsão de aplicações de pesadas sanções a certos desvios. Assim, o incentivo à aplicação do Programa de Compliance nos escritórios de advocacia se torna uma necessidade e tem consonância com as normas do Estatuto e do Código de Ética e Disciplina (normas deontológicas).
Há dispositivo atinente ao combate ao aviltamento dos honorários, mas também à cobrança de honorários exorbitantes. Nesse ponto, não podemos entender como normais os honorários em milhões cobrados por certos escritórios dos envolvidos nos casos de corrupção ligados à Petrobras (lava-jato). É sabido que a origem desse dinheiro não é legal. Será que é ético cobrar-se valores tão altos, somente porque o dinheiro não é de quem paga? Fica a provocação para se meditar.
Referências
COMPLIANCE. Guia para as Organizações Brasileiras. Brasília: OAB Federal, 2018.
DICKSTEIN, Marcelo. A Boa-fé Objetiva na Modificação Tácita da Relação Jurídica: surrectio e suppressio. 2ª Tiragem. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Comentários ao Código de Ética e Disciplina da OAB: análise do Código de 2015, pelo relator do anteprojeto e da sistematização final do texto. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SAMPAIO, José Damasceno. Rotinas trabalhistas: extinção do contrato individual de emprego. 2. ed. São Paulo: LTR, 2013.
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditário: Tutela da confiança e venire contra factum proprium.3.ed. Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
*artigo publicado em novembro de 2018, na Revista Jus Cultura, nº 01, órgão por nós implantado quando na presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/CE.